O sono, descanso para a saúde individual e coletiva
Um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, apontou que, no Brasil, as pessoas vão para a cama às 23h40 e permanecem nela por sete horas e 36 minutos – só cidadãos do Japão, que dormem sete horas e 30 minutos, e de Singapura, com tempo de sono estimado em sete horas e 24 minutos, têm duração de repouso menor. Esse é tema desta semana do Informativo do Laboratório Maurilio de Almeida. A pesquyisa foi feito no site O Tempo.
“Em um país em que a população dorme cada vez menos, os transtornos de sono, de maneira geral, precisam ser tratados como um problema de saúde pública”. A constatação é do neurologista Rafael Mattos Tavares, cuja análise leva em consideração os diversos efeitos indeléveis da má qualidade do descanso para a saúde individual e coletiva e as diversas pesquisas que indicam que os brasileiros estão entre os povos mais insones do planeta.
Detalhe que, apesar de ficar no último escalão entre as sociedades que passam mais tempo em descanso, o levantamento feito pelos pesquisadores norte-americanos ainda coloca os brasileiros em um patamar saudável quanto ao tempo de sono – afinal, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), deve-se dormir, idealmente, de sete a nove horas por dia. Contudo, dados da Associação Brasileira do Sono (ABS) fazem soar o sinal de alerta ao revelarem que, na verdade, além de cumprir uma jornada de repouso insuficiente, a população brasileira tem dormido cada vez menos: em 2018, a média nacional diária de tempo gasto dormindo era de 6,6 horas, número que caiu para 6,4 horas no ano seguinte.
Tavares, que é preceptor do Ambulatório de Neurologia do Comportamento e Cognitiva da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, alerta que, embora tenhamos nos habituado a negligenciar a necessidade de sono, essa rotina de descanso limitado não é sustentável no longo prazo. “Geralmente, os efeitos da privação do sono não são percebidos em um período curto”, argumenta, salientando que se pode passar anos e até décadas antes que se perceba o estrago de um cotidiano pautado por hábitos que limitam a qualidade do repouso.
O psiquiatra Dirceu de Campos Valladares Neto concorda que o problema da privação do sono costuma ser negligenciado no dia a dia, embora essa fatura seja irremediavelmente cobrada no futuro. “É algo que vai acontecendo de forma insidiosa, vai comendo a pessoa pelas beiradas. A pessoa não dorme bem, mas ela vai se acostumando com isso e vai adoecendo aos poucos”, argumenta, citando que a percepção equivocada de que o descanso não é importante – algo sensível em frases que associam dormir a ser improdutivo – surge, hoje, como um dos principais inimigos do sono.
A luz branca emanada de equipamentos eletrônicos também se impõe como barreira para uma rotina de sono mais saudável, pois, como informa Tavares, esse tipo de luminosidade reduz a produção de melatonina, que é uma substância importante para o relaxamento. O neurologista acrescenta que, além dos aspectos culturais – como a desvalorização do descanso e o hábito de usar telas ou de consumir substâncias estimulantes à noite –, as fisiopatologias e as questões ambientais e emocionais também motivam a privação do sono.
Isso quer dizer que distúrbios do sono podem ser multifatoriais, sendo promovidos, por exemplo, por eventos estressores e/ou por condições como a apneia obstrutiva – problema que afeta cerca de 35% dos brasileiros e que é caracterizado por um bloqueio da passagem de ar pela faringe, causando uma parada respiratória e fazendo que o sujeito, que geralmente ronca, desperte várias vezes durante a noite. “Importante ressaltar que esses fatores podem coexistir em um mesmo indivíduo, aparecendo em qualquer fase da vida”, expõe o especialista.
Consequências
“Entre os efeitos do problema estão o ganho de peso e o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como transtornos ansiosos e depressivos. Esses acometimentos são, simultaneamente, fatores que contribuem para a privação de sono e que são causa desse fenômeno”, diz Rafael Tavares, salientando que há o risco de se entrar em um círculo vicioso, em que causa e consequência são retroalimentadas, levando a uma deterioração dos quadro de saúde do indivíduo.
“Outras questões advindas desse hábito insone são as doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio e o Acidente Vascular Cerebral (AVC), que podem ter origem em quadros de estresse crônico que, mais uma vez, podem ser tanto desencadeadores quanto ser desencadeados por essa rotina de repouso inadequada e insuficiente”, avalia.
Dirceu Valladares acrescenta que condições neurodegenerativas, como o Alzheimer, também podem ser potencializadas e aceleradas em razão da má qualidade do sono. Há ainda outros problemas que precisam ser levados em consideração. Por exemplo, o repouso inadequado gera dificuldade de atenção e irritabilidade, que são fatores para acidentes domésticos, de trânsito e de trabalho.
Em defesa do sono
É diante dessa extensa lista de males provocados por um mau hábito em relação ao ato de dormir que o preceptor da Santa Casa BH defende que a questão seja enfrentada por meio de políticas públicas. “Precisamos ter em vista que estamos falando de uma condição crônica que acarreta outras condições crônicas, desencadeando problemas silenciosos, mas que podem ser potencialmente fatais e que só serão descobertos ao longo de anos ou mesmo de décadas”, sinaliza.
Rafael Tavares acredita que ações de promoção da saúde, que envolvem campanhas de conscientização, viriam a calhar no enfrentamento dessa crise do descanso noturno. Ele ainda destaca que medidas não farmacológicas, como a prática da higiene do sono, devem ser incentivadas, evitando, assim, que haja uma adesão indiscriminada a medicamentos indutores do repouso, que podem ter efeitos deletérios.
Dicas
De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, embora cada indivíduo vá se adequar melhor a uma rotina específica de higiene do sono, há algumas dicas universais que podem ser experimentadas e que podem repercutir em melhor qualidade do dormir. São elas:
– Manter horários regulares de dormir e acordar todos os dias;
– Fazer atividades relaxantes próximo ao horário de dormir, como ler ou ouvir músicas relaxantes, e ir para a cama quando já estiver com sono;
– Ter um ambiente de sono tranquilo, evitando luminosidade e ruídos excessivos e utilizando colchão e travesseiros confortáveis;
– Evitar trabalhar, comer e usar telas na cama;
– Evitar álcool, cafeína, refeições pesadas e muitos líquidos antes de se deitar;
– Praticar atividades físicas com frequência durante o dia;
– Não usar por conta própria medicamentos para dormir.
Cuide do seu sono e proporcione uma vida melhor para você e para o coletivo.